Assisti, sentada na segunda fila da platéia, à palestra de um homem que sorri com o olhar. Não é à toa que ele prega a paz. Chama-se William Ury e, na verdade, ele negocia a paz.
Ury ensina a negociar, e a receita de bolo que pode ser seguida por qualquer um é, basicamente, focar nos interesses comuns (sempre os há) e não nas divergências.
Existem técnicas para se fazer isso mas, mesmo sem conhecê-las, pelo simples fato de nos dispormos a ouvir o que o outro tem a dizer, as chances de entendimento crescem a cada conversa – duplicam, quadruplicam, aumentam em progressão geométrica.
Como fazer isso?
A resposta simplificada é: interromper a discussão e dar um passo atrás de forma a “sair” do problema e olhá-lo sob outra perspectiva. Respirar. Contar até três, e respirar novamente. Só então retomar o diálogo.
De fato, nossos discursos mais eloquentes são aqueles pronunciados num momento de raiva. São também aqueles dos quais mais nos arrependemos depois. Com raiva perdemos o objetivo da discussão porque, na ânsia de provarmos nosso ponto de vista, mudamos o foco, que passa da questão em si para o nosso oponente.
A receita pode ser aplicada em conflitos que ocorrem nas famílias, em escolas, empresas, comunidades, governos. Ury trabalha conflitos mundiais e já negociou com líderes de países tais como Chechênia, Iugoslávia, Colômbia e Venezuela.
Um dos seus desafios é promover a paz nos países do Oriente Médio, e foi sobre esse assunto a palestra que assisti. Impossível, pensei. Não há nada em comum, muito menos interesses, nos países daquele canto do mundo que se esfolam em disputas milenares. Mas Ury teve uma ideia que ele considera um primeiro passo – literalmente um primeiro passo, pois trata-se de uma caminhada. Se é impossível pensar em soluções políticas para a região, quem sabe buscar na história o que há de comum entre os povos?
Cristãos, muçulmanos, judeus – religiosos ou não – todos têm o sentimento de fazer parte de uma história que começou há quatro mil anos atrás quando Abraão, com sua família, iniciou uma jornada de pregação. Sua mensagem era a união, e seus valores, a família, o respeito, a aceitação e a acolhida a todos, inclusive estranhos. De fato, a hospitalidade e acolhida fazem parte da cultura dos países do Oriente Médio, quaisquer que sejam eles – algo diferente da nossa realidade ocidental.
Para provar sua tese de que é possível a união em torno da história que têm em comum, mesmo contra os conselhos dos que apontavam as dificuldades da empreitada, Ury reuniu vinte e cinco pessoas de dez países diferentes para, juntos, refazerem os passos de Abraão, caminhando por áreas de conflito e cruzando fronteiras de países mergulhados em eternas disputas.
Começaram por Urfa, no sul da Turquia, cidade berço de Abraão, e de lá seguiram em ônibus até Harran, onde o patriarca iniciou sua jornada. Cruzaram a pé a fronteira da Síria até Aleppo, Damasco, Jordânia, Jerusalém, Belém, terminando em Hebron, no local onde ele está enterrado. Por onde passaram, os membros do grupo foram acolhidos com a hospitalidade típica da região, “em nome de Abraão”, que por lá não se trata apenas de uma figura bíblica, mas de uma presença viva na forma de agir do povo. Sim, é algo estranho à nossa compreensão.
Desde então, nos últimos anos, Ury tem divulgado esse feito nos quatro cantos do mundo, e milhares de pessoas passaram a seguir seus passos, ou melhor, os de Abraão. A rota passou a ser mencionada por pacifistas, chegou às redes sociais e às revistas de turismo. Agências especializadas passaram a oferecer “o caminho de Abraão” e a prover logística para turistas mais tradicionais.
O resultado da idéia já se faz sentir na economia local mudando a vida de centenas de pequenas comunidades. Mas é na autoestima aumentada pelo orgulho de receber turistas em lugares nunca antes visitados que a grande mudança acontece, e o resultado final são jovens, crianças, homens e mulheres, milhares deles, caminhando e conectando mundos até então estanques.
Além do simbolismo histórico, Ury aponta um outro simbolismo: caminhando numa mesma direção não se briga. Para brigar, você tem que estar de frente, encarando seu oponente. Caminhar ombro a ombro propicia o diálogo, e pelo diálogo são resolvidos os conflitos.
Essa é a proposta deste homem entusiasmado no seu discurso de paz. Mudar o jogo de “hostilidade” para “hospitalidade”. De “terrorismo” para “turismo”.
Soa utópico, mas feitos históricos iniciaram-se com um primeiro passo. Abraão que o diga.